
Logo de cara antecipo ao leitor que a frase-título está entre aspas porque não é minha. Seu autor é o jornalista e escritor Daniel Piza, que atualmente escreve no Estadão e tem uma coluna dominical no jornal cujo um dos intertítulos é: por que não me ufano, que por sua vez tem outra matriz. Mas vamos ao que interessa. Ufano, ufanismo. Do Aurélio: Ufanismo. [De ufano, do verbo ufanar, + ismo; por alusão ao livro Por que não ufano por meu país, do Conde Afonso Celso] S.m. Bras. Atitude, posição ou sentimentos dos que, influenciados pelo potencial das riquezas brasileiras, pelas belezas naturais do país, etc., dele se vangloriam, desmedidamente. Ou seja, um nacionalismo sem propósito.
Nestes últimos dias, os últimos de 2009 e os primeiros de 2010, uma onda prá lá de ufanista, de um nacionalismo sem aderência à realidade, invadiu os intervalos comerciais da TV com propaganda institucional de empresas privadas ou públicas ou dos próprios governos em suas três instâncias (municipal, estadual e federal). Os personagens destes comerciais agora começam a dizer, via rostinhos alegres e corados, que o Brasil é o país do presente... presente de grego, como o cavalo de Troia. Presente para as elites que vão lucrar com o investimento que o Estado será obrigado a fazer em infra-estrutura para a Copa do Mundo e para as Olimpíadas, e que não necessariamente será revertido em prol do povo. Vejam o trem-bala, por exemplo, já foram veiculadas matérias jornalísticas divulgando que o custo da passagem mais barata, somente de ida, pode chegar a R$ 150,00 em valores de hoje.
Em momentos de calamidade e perda absurdamente desnecessária de vidas, como infelizmente tem-se visto, os governantes somem. Sérgio Cabral, do Rio, demorou dois dias para aparecer, Serra por São Paulo (e possível candidato à presidência da República) demorou três, Kassab – o fantoche revolto do PSDB, ainda não apareceu. Lula, só se vê pelas fotos tomando banho de mar. Nenhum depoimento mais contundente sobre o apoio para reconstruir a vida que as pessoas de todas as áreas atingidas precisam ter em dinheiro vivo e não em palavras que fogem com o vento. As catástrofes se acumulam e o interessante é que apesar de alguns internautas insanos, as pessoas começam a denunciar a ausência de obras que poderiam evitar boa parte das tragédias que ocorreram.
O descalabro é exatamente este: quanto mais há imagens exaltando o amor à pátria, mais os governantes evaporam quando acontecem as tragédias. Se aparecem, são cenas hollywoodianas, em helicópteros, em balsas. Mas o povo quando tem algum apoio logístico, são galochas, para não contrair qualquer doença ou ser fisgado por qualquer coisa, literalmente qualquer coisa, que possa existir no meio da lama, da água parada, e às vezes, da correnteza. Agora já nada dizem sobre o Jardim Pantanal, na cabeceira do Rio Tietê, na zona Leste da capital. Assim, é nossa imprensa (forjada junto com o capitalismo) ela também vive de lucro. Aqui o lucro é notícia mais nefasta. O Jardim do Pantanal, em que pese toda a destruição, só teve uma morte. Então, o lucro vem de onde há mais urubu sobrevoando. É triste, nojento, mas é assim. Basta observar a cobertura da imprensa. Enquanto isso, também vamos sendo forjados, numa poesia de ferro e fogo, para assistirmos repetidamente a cenas brutais. Até nos embrutecermos.
Por isso, por enquanto, mesmo com toda a crítica a cobertura da imprensa que explora à exaustão nossa compaixão pelos dramas de todos que perderam alguém nestas novas ondas pluviais, é impossível não se emocionar com os depoimentos. É uma catarse que ao contrário de expurgar nossos pequenos dramas, quer trazê-los à tona gerando uma culpa, uma espécie de agradecimento pela vida que se tem. Algo como: estou aqui, poderia estar lá com amigos e parentes e já ter sido enterrada. Na verdade, esse não deveria ser o nosso sentimento, compaixão não é culpa nem alívio. E também não é forma de agradecimento. Agora é hora de cobrar. Se há áreas de riscos elas não passaram a existir nos dias finais de 2009. Pessoas não constroem casas onde imaginam passar toda a sua vida e onde investem seu parco salário para verem chuvas torrenciais arrastarem tudo. Em 5 de janeiro, a imprensa divulgou um decreto do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, de junho de 2008, autorizando a construção de moradias nas encostas. É preciso apurar os fatos, é verdade. Mas é pouco provável que alguém tenha sido alertado sobre os riscos.
Também de São Luís do Paraitinga, dizem os estudiosos: berço do samba, interior de São Paulo, um internauta, no site do Estadão, cobrou a ausência um piscinão capaz de minimizar os estragos da cheia do rio. Mais mortes, mais destruição, mais inevitáveis lágrimas. São histórias de vidas, como as nossas, cheias de projetos que se esvaem num instante. É um corte abrupto para o qual não somos e não estamos preparados.
Antes da tragédia vinda com as chuvas, o assunto da imprensa era o caso Sean. Ora, faça-me o favor, isso nem seria assunto. O que qualquer um tem a ver com a história de uma criança que perdeu a mãe e precisa voltar a estar com o pai. Há alguma polêmica sobre isso? Nenhuma. Pais separados, mãe que fugiu com o filho e se casou novamente. Mãe morre e pai recupera o filho, que nunca abandonou. Não há polêmica, há falta de assunto. Novamente, a exploração aqui sentimentalóide de um caso isolado que só diz respeito aos envolvidos. Muito diferente deste descaso nacional, que não tende a se resolver com o fiasco que foi a Conferência de Copenhague, na Dinamarca. Para o capitalismo, a alegria de novas construções e novos investimentos. Para as pessoas reais, humanas, sobram apenas a dor e o inevitável recomeço.
Feliz 2010! O nosso recomeço metafórico. É isso.
Gislene Bosnich
2 comentários:
Agora a culpa será de Cabral, é claro. Mas a realidade é que foi uma fatalidade e se Cabral não apareceu no primeiro momento, ele teve um bom motivo. Afinal, político nenhum perderia essa oportunidade.
eu acho que você deveria dar uma lida nesses livros que estão disponíveis no site :
www.coragemesaber.g3wshop.com
os livros são muito bons e falam sobre a democracia e seu condenamento ao fracasso...os pensamentos são bem parecidos com o seu...
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