
Quando do primeiro jogo do Brasil na Copa, em que pude ver a cidade começando a se preparar... Quando eu - como tantos - tivemos entrecortado o dia pelo jogo, alterando a rotina, foi difícil não se emocionar com a alegria popular. Seguia num ônibus pela Celso Garcia (grande avenida de São Paulo, ligando a Zona Leste ao centro da cidade). No dia seguinte, contei aos alunos que aquela sensação de ver a alegria popular é fascinante. Todo mundo apitando nas ruas, eufórico para chegar em casa, possivelmente comemorar com os amigos e com a família uma boa partida de futebol, regada a: churrasco, cerveja e refrigerante. Aquilo sim, era verdade, muito bonito de se ver. Porém, como discutíamos na 7ª série a formação do Estado-Nação e o nacionalismo, insisti para que eles observassem como outras notícias ficariam simplesmente secundarizadas, embora fossem muito mais importantes. O nacionalismo faz isso. Entre outras habilidades acaba por desviar o nosso olhar para algo que não vai alterar nossa vida. A Copa é um destes momentos. Mas, somos humanos...e apaixonados.
Então... é tentador começar o texto escrevendo um título mais bizarro e infantil com rima pobre, mas que deve estar fazendo parte das rodas de conversa deste final de semana: A caca da Copa é o Kaká. Mas justiça seja feita: o conjunto é mesmo deplorável e o maestro deve ter motivos não honestos para manter em campo alguém que nem de longe tinha condição de jogo. Patrocínios? A verdade é que os melhores jogos não estão entre os que o Brasil disputou nem com quem disputou. A Holanda não foi melhor. Foi menos ruim.
Dizem que todo brasileiro sabe montar uma seleção. Eu não sei. Mal sei as posições. Então, o leitor pode se perguntar por que estou palpitando. Porque tenho olhos e capacidade para perceber o que todos percebem. Com um estilo errado, equivocado, retranqueiro e com jogadores doentes não há condição de se jogar bem. E sem jogar bem... a sorte costuma ser companheira traiçoeira. Enfim, isso é o básico.
Por que estou escrevendo isto? Porque todos gostam também de falar como deve ser a educação, mas quem a vê de verdade? O seu processo? As doenças dos professores são tratadas como charlatanice e não dores provocadas pelo trabalho. Bem diferente do tratamento às lesões sofridas pelos jogadores. Sofrimento partilhado com os torcedores. Aí reside a diferença entre os palpites sobre algo que vemos e os palpites sobre o que nunca se acompanha. Mas o leitor pode se perguntar se as provas oficiais, dos governos, a que os alunos são submetidos não são as mesmas coisas que os jogos. Não, não são.
Os alunos não têm nutricionista, nem acompanhamento psicológico, nem tratamento para muitos dos seus problemas crônicos. Nem nós temos esse tratamento. (Ao contrário, não somos estimulados nem sequer a estudar. O que também se torna insano com jornada duplas, triplas, quando haverá tempo para se fazer algum curso sobre assunto específico?) Aliás, no geral, faltam-nos condições de trabalho, há perseguição política, mesmo quando se leciona bem (ou se dá boa aula, como dizemos). Jogar bola nas condições que têm estes jogadores é como se pudéssemos ter salas com poucos alunos, habilidades para atender os estudantes que precisam de atenção diferenciada, material e condição de encaminhar para as especialidades médicas. Isso resolveria todos os problemas da educação? Boa parte deles. Afinal assim como no futebol, que não se define somente em campo, a vida do aluno não se completa apenas pelas condições da escola, a família é outro ponto de apoio importantíssimo. Essa relação é vital.
E o salário? É lógico que não há nem como comparar. Apenas um pergunta. Por que os professores têm que ser tão mal remunerados a ponto de terem dois ou três empregos? Alguém já viu jogador jogar em dois ou três clubes ao mesmo tempo?
O salário, é verdade, como se viu, não garante comprometimento. Mas passar a vida pensando em quanto se vai receber - o que aliás é sina de todo trabalhador - é realmente uma pena que estes jogadores há muito já não sabem como é. Para todos os outros mortais, amanhã será 3 de julho de 2010, um sábado como outro qualquer. Agora as notícias voltarão e a alegria será menos alegre até que outra vez se monte o circo que nos faz acreditar que poderemos um dia sermos todos felizes, de verdade.
É isso.
Até mais.
Gislene Bosnich