Outro dia, passando o controle remoto por nossa diversificada, vasta e inócua programação televisiva pude me deparar com um dilema quase que existencialista emitido por uma magnânimo da comunicação brasileira. Tanta ironia não é sem motivo. A indagação, o apresentador e emissora são por si só anedóticos, mas revelam um pouco deste nosso carcomido mundo hipócrita e emburrecedor. Antes, porém, é preciso lembrar que a TV brasileira não nasceu analfabeta. Ao contrário, sua programação era para instruir, formar, sensibilizar com o melhor da literatura universal de todos os tempos. O lixo foi sendo construído aos poucos, lentamente, principalmente para ganhar os letrados da época. (Pesquisa da década passada apontava os telespectadores de maior renda como os que mais assistiam aos programas populares. Motivo: gostavam de ver pobre brigando ou em situação ridícula; resposta que os próprios indicaram).Eis que zapeando (ou seja, passando com o controle remoto por algumas emissoras de TV), deparo-me com Marcos Mion, questionando uma figura feminina, do tipo modelo-manequim-atriz, se ela preferia ter caca no nariz ou mau hálito. Diante de tão importante questionamento, que faz todos os mortais travarem consigo mesmos um embate moral do mais alto calibre - perdoem-me, a ironia não me abandona – fiquei perplexa e titubeei na mudança de canal. Queria aguardar a resposta que mudaria toda a minha vida. Eu já havia perdido 10 preciosos segundos. Não me custaria tanto assim aguardar mais 10.
Um balanço de cabeça para lá, outro para cá. E a figura feminina, do tipo modelo-manequim-atriz, dispara: o mau hálito. O apresentador, em um momento pleno de sensatez, dialoga: “Mas justo o mau hálito?”. E continua: “A caquinha sai, mas o mau hálito é mais difícil”.
E a imagem? A imagem, a aparência? A beleza artificial da boneca branca de cabelo liso com rosto rosado? Imagine ter esta imagem destruída por uma caquinha.
No fundo, a modelo-manequim-atriz foi absolutamente coerente. Ela pensa naquilo que lhe convém. Na imagem. A caquinha de nariz faz todo a diferença. Mau hálito? Mau hálito não aparece na câmera. Nem na foto. Nem em caras e bocas. Nem em revista alguma.
E os nossos adolescentes e os jovens adultos? Estão embarcando cegos neste paradigma? Norteiam-se por esta mesma ‘coerência’? Há lugar para a inteligência neste mundo? A sensibilidade, o humano? Ou só para a aparência oca da ausência de caquinha no nariz?
É preciso retomar o debate sobre o que se pretende com essa insensata busca pelo belo, que afinal nem é belo. O esquálido não é belo, o cabelo liso parece uma ditadura. E todos os outros padrões que se construíram na última década e meia. Incluindo a moral que há por trás deles. Pelos que são retirados à morte e que depois retomam como tatuagem. Anos fazendo a sobrancelha para depois esticá-la com lápis ou tatuagem permanente. Todas as marcas são apagadas, e as que se veem são postiças. Menos uma: a da ignorância em todo dia tentarmos desenfreadamente apagarmos quem somos. Vai uma caquinha no nariz ou um pouco de mau hálito? A inteligência está sendo banida. Cuidado!!!
Gislene Bosnich, texto
Imagem extraída do site: http://www.vejaisso.com/ (apenas extrai a imagem, não me responsabilizo pelo conteúdo deste site)